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segunda-feira, 26 de março de 2012

MEIO DIA


Porque a fome apareceu que me fizeram sentar ao lado de dois corpos para que eu comesse o que me era oferecido.
Eu já nem queria, estava refogada toda de sal e água quente.
Mas eu comi.
Sentei na cadeira que de tão dura não me fez afundar.  E por não ter conseguido afundar caí com a cabeça bem acima do prato afogado de comida.
E, acreditem ou não, era uma disputa interna entre quem chegaria primeiro ao prato: minha boca, meu nariz ou meus olhos.
Meus olhos nem estavam ligando praquilo tudo, queriam apenas ser fechados ao modo que não pudessem ver mais nada que lhes chateassem.
Minha boca só abria porque o garfo já estava estocado de comida e também porque só lhe havia a obrigação de comer, mais nada.
Meu nariz é que ficou bobo com a vitória de ter encontrado o gelado do prato em primeiro lugar. Saiu pingado com  o suor do feijão.
A felicidade foi mais efêmera do que eu pensava. Descontentou-se no segundo em que enfiei minha mão na frente do rosto.
Ué, ficaria eu com o nariz todo enlameado de caldo?
A comida estava boa, mas falei pra minha boca ficar quieta. Não precisaria agradecer naquele momento. Não queria conversar, queria sossego.
E sosseguei depois de me ter saciado, molhando meu rosto todo com o sol das 16 horas. 

sexta-feira, 2 de março de 2012

" O uivo "

Acho que o desespero começa a tomar conta quando você percebe que o limbo tornou-se um lugar comum; quando você olha ao lado e vê que não há vão que lhe sirva de apoio; quando você não consegue encontrar sentido algum em seus anseios.
Hoje me tomei por esse exato desespero. Olhei pro lado e tive a certeza de que não havia nada que eu pudesse me segurar, que eu pudesse explanar euforicamente: "ufa, era disso que eu estava falando". Ao contrário, senti o vazio flutuando bem abaixo dos meus pés como se fosse uma fumaça fina namorando o ar. Senti-me com o coração saltando pela boca em forma de impactos constantes com a minha mente.

Coração X Mente Coração X MenteCoração X MenteCoração X MenteCoração X MenteCoração X Mente Coração X MenteCoração X MenteCoração X MenteCoração X MenteCoração X MenteCoração X Mente

Ele fazia o 'tum-tum-tum' de uma forma mais ousada e triste. Era uma dança eufórica. E eu começava a soluçar. E os soluços aumentavam de acordo com os meus pensamentos. Eu pensava:                                      

"eu poderia ter sonhado menor"

(eu poderia ter sonhado menor eu poderia ter sonhado menor eu poderia ter sonhado menor) 

E sonhando menor eu poderia ter escolhido fazer um curso numa faculdade medíocre, conhecido um cara legal e medíocre que eventualmente se tornaria o meu marido (porque eu aprenderia a amá-lo), depois teríamos um filho ou dois e viveríamos felizes numa vida medíocre trocando de carro todo o ano e indo aos bailes dançantes quatro vezes em trezentos e sessenta e cinco dias ( porque, ao menos, eu não deixaria de gostar de dançar). Mas não, contrariamente a isso e graças ao bom deus que eu não acredito, eu escolhi sonhar de um tamanho maior.

E os meus pensamentos seguiam:

"eu sou pequena demais pra mudar mundos"

 e um lançar lágrimas no colchão.

" Como posso eu ter razão se eu não dou duro dez horas por dia ?" Como posso dizer que não é bom ouvir  comentaristas falando sobre os gols do campeonatos estaduais?" "Jamais poderei eu convencer alguém de que a noite não é das novelas globais".

e o lençol já era molhado demais pra poucos minutos de desespero.

"Minha família é o próprio povo e eu não consigo dialogar". 

e ainda mais lágrimas.

(...) E de repente  penso que todos estão bem. Penso que todos estão bem em suas dores. E estão confortáveis assistindo os seus programas medíocres. Por que o que há de ruim nisso? Alieno-me em tantas outras coisas que não deixam de se igualar às telenovelas...

E me frusta não conseguir convencer. Frusta-me perceber que os ninhos não têm ouvidos e muito menos boca.
Sou desajeitada no falar.


Mais soluços.
Muito mais soluços.
Soluços frequentes.


Respiro, preciso me acalmar. Vou até a sala: "Mulheres de Areia".

Soluços.

"Tudo se torna real ao tirar o pé da bolha".

Depois fico bem na minha dor. Alieno-me nas palavras de conforto: alguns poemas bonitos, algumas frases curtas, uma música calma....

Algo que traduza diferentemente as mesmas dores.


E saio cantando:


" Pero falta poco para que los demos vuelta!
Lo mire en tus ojos, no se puede parar
Pero falta poco para que los demos vuelta!
Lo mire en tus ojos, esa noche, no se puede parar!!"








quinta-feira, 1 de março de 2012

AMIÚDE



Como posso sentir o gozo da vida dentro desse existir?

É muito amendoim pra pouca boca e muita bagunça pra pouco corpo. Meus dias se repetem numa odiosa espera pelo nada. Transforma-se num instrumento de ‘esperacitude’, inquietude, solitude.  Um ude assimilado nas mais insensatas raízes de palavras. Sou o próprio sufixo.

“Um purgatório indecente dos que sentem sem dizer”, tenho repetido isso diversas vezes nesses últimos dias.

“Um purgatório indecente dos que sentem sem dizer

Um purgatório indecente dos que sentem sem dizer...Dos que calam.
Dos que calam, mas que não calam porque querem, calam porque não há som que os contemple.
E nada que vem de mim me satisfaz: nenhum assunto, nenhuma palavra, nenhum gênero... Aliás, nada vem de mim. Sou o nada vagando com clareza.
Embora isso, a preparação para o nascer do grito não cessa: as cordas vocais continuam a trabalhar. 
É um constante exercício! Faço gargarejo, refresco o corpo, saio pra passear. Mas como se isso fosse suficiente. 

"Jamé", como diria, abrasileiradamente, o bom brasileiro (claro).

(...) O único som que emana é o do próprio teclado aglutinado a um som mais distante que é do recolher da louça do jantar. Nenhum som mais. Desisti da música, ela não consegue mais inspirar. Pausei Egberto Gismonti, Godspeed You Black Emperor, Eddie Vedder, Arnaldo Batista, Sigur Rós. Nenhum desses ecos me fez ecoar.

Quem sabe quando eu não tiver sobre que dor escrever ou mesmo quando eu não desejar sentir esse incompreensível alívio que existe entre o intervalo do querer escrever e ter escrito.

Não é à toa que no senso comum dizem que quando a gente não procura é aí gente acha, não é? Ou é ao contrário? Já nem sei.

Bom, que se dane!