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segunda-feira, 22 de outubro de 2012

'Pra dizer Adeus'

Meu pescoço dói
Minha cabeça dói.
Meu tudo dói
Dói em mim um mundo

O cansaço cria rizomas e não admite qualquer sensação de prazer
Se sorrio, choro porque estou sorrindo
Se festejo, entristeço apenas pelo evento de festejar
Um moinho de vento nas minhas costas
Uma carga pesada me acoberta os olhos

Não me permito gozar o dia.
Me encho de anoitecer.
A lua, a tempestade, o dia cinza: a melancolia me é injetada no braço

Três entorpecentes baratos, somado a um ar falseto e pronto: uma felicidade inclandestina ressurge no meu olhar.

E daí que já odeio as cores cruas e nem quero mais café.

Peço uma salada-de-frutas porque é importante cuidar da alimentação.
Corridas pela manhã
Abdominais no fim de tarde.
Troco a madrugada por um belo pôr-do-sol.


Como é fácil parecer interessante.

Uma foto sorridente com uma descrição de amor e paz para todos.

Tudo isso esconde a vontade de me jogar do décimo quinto andar.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Et infinitum

Atiraram a metade da laranja para fora da janela
Sacudiram a minha vida, me colocaram de cabeça pra baixo
O sangue desceu

O bombear
A pressão
O desnorteio

O desnorteio é falta de norte
De rumo
De rastros que te aponte
A ponte é algo que se passa
Atravessa
que se leva 
Cheia de levas é a vida.

Ontem levei um soco no estômago
E no âmago me doeu.

O bucho não sossegou desde então...

E se antes eram borboletas, pouco depois virou azia.

Parecia comichão! Uma angústia que caminhava por todo meu corpo.


Soluços fortes pareciam risos
Ia arrancando, 
dando gaitadas
Freava e acelerava feito qualquer veículo motorizado

A tristeza é um prato cheio
Cheio de todos os tipos de solidão. 

Solidão ao molho pesto
Solidão à parmegiana
Solidão refogada com brócolis e alho e óleo
Solidão com cobertura de chocolate

O nó na garganta se faz de linguagens!

Eis que o moço falava calmo:

"Isso é coisa pouca para chorares assim"

Eu queria ouvi-lo, mas era dor demais para pouco ouvido.


... E o soluço cantava até desafinar de fininho.

E, aos poucos, me ia finita de infinitudes.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

DESMARCAR TERRITÓRIO


O cuspir fogo
No fundo do ralo
Ralo de fundura
Calcinha velha
Cheiro de creme de amêndoas barato e vencido
Toalha molhada que exala tempo
“Mistureba”, dizia-se lá no interior.
"Me masturrrba", gritava lá num filme que passava na TV aberta.
A cor da briga a dois é mais da cor de pastel
Carrega a dor do medo de não ser
De que assunto os domingos vão me namorar?
Ai, a poesia da Ana Cristina...
As teorias já mastigadas das terças à tarde.
Fico fuçando os cantos da sala para ver se encontro cascas de mim
Nenhum cílio
Nem pele de dedo
Nenhum pentelho
Se tivesse, ao menos, um pedaço de unha.
“Cadê-me”? - eu grito.
"Cadê-me"? - sussurro.
E vou que nem cachorro...
fuçando os postes e bundas de tanta gente na lanchonete
O entrelugar
O sem lugar
O ex que não é meu
O ex-estranho do Leminski
De onde falo?
De que falo?
A voz me comeu.
Comeu em mim
O que não é meu.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

MORMENTE

Esbarrei numa dessas frases de efeito de Saramago. Ele escrevera:

"O barro ao barro, 
o pó ao pó, 
a terra à terra, 
nada começa que não tenha que acabar, 
tudo o que começa, nasce do que acabou".


A descama quase se dá por encerrada.

Hoje lavei meus cabelos e coloquei brincos.

Rebocada de outras, ando me destaciturnando.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

A luz do curso.

Hoje à noite me raiou o sol.
Veio quente en-char-ca-do,
Escorrendo amarelo-canário no meu pescoço.
Sorriu arreganhado como se tivesse visto una chica de biquíni.
Alarguei a boca dele como se fosse a minha
E peguei duas tarraxas para prender os dois extremos

Egoísta por ora.
Quero que fique assim por um bom tempo...

Desde meu descanso no domingo
Até, quem sabe, as largas noites em Chile
Ou caminando pela Colômbia.

Um ombro se escorou no meu.
Alguém dizia que era bomcorazón
Eu disse que era um balde de coragem.

O coração floresce em agosto.
Um mês que eu não apostaria.

As orquídeas antecipam a primavera.
Um par de girassol sorri ao léu...


"Gracias a la vida que me ha dado tanto"

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Bruno


As maçãs no rosto de Bruno nem indicam a peraltagem de que escreve Manoel
Nem transgressões, nem rispidez e muito menos desobediência com os avós.


O Bruno de brunagens que só os brunos fazem eu não vejo nele.


"Os fundos olhos de garrafa óculos o rosto roçam"


Diz que gosta de videogame e de filmes de ação
Brânis Brânis...
Ele só quer brincar. Só isso.

Bruno quer romper com a leveza das duas pedras largas que há em seus olhos
Arranha o arrastão de seus passos como se fosse um saci sem a única perna que lhe restava.
Eu nunca sei se é só carinho de que precisa 
Na primeira vez eu havia pensado que era desespero. Não sei!


Antes de ontem ele dizia que ia morrer
Ontem disse que ia se matar
Hoje não fui lá pra ver.
Será que tem saudade ou já morreu?


A verdade é que já viveu mais vida que aqueles que têm seus oitenta. Ah, seu contasse...

Quando olho pra Bruno me pergunto:
“O que fazemos nessa porra?”




na verdade já me perguntava antes
bem antes de conhecer Bruno.

terça-feira, 19 de junho de 2012

O conta-gotas

O conta-gotas
Me pinga de dentro dos olhos
Que pingados refrescam o queixo.


Amanhã é três sílabas tristes.

Torquato Neto contorna os ouvidos:

Triste madrugada
Tudo e nada
A mão fria, a mão gelada
Toca bem de leve em mim

sábado, 9 de junho de 2012

Uma morte me cobre os olhos


Uma morte me cobre os olhos
Sugou-me as vísceras
Esmaecida. Diminuída de pele
Feia.
Quarto à dentro
Coluna torta
Carne a depilar.
Mulher que se esconde em um cubículo encardido.

Um espelho a minha frente para eu não me esquecer de mim

Ao invés de música, a voz de Waly Salomão que diz: “A vida é sonho”.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

A minha Maria



Me antecipo no que poderia se tornar poético para tentar oferecer um punhado de palavras antes do teu retorno.

Busco no frio algo que transcenda a apatia que sinto ao modo como o vento bate em minha nuca.

Desse jeito penso: “era mais fácil digerir sentimentos quando você me era mais exotopia, mais longe, mais lacunas que se intervalavam. Agora que nos carregamos em um lado a lado mais estreito, a intimidade descasca a beleza do sentir”.

Não que eu sinta menos, é que quando pisamos várias vezes numa mesma linha, fica difícil pontuar quem pisou em cada espacinho.

Hoje pela manhã tive um sonho:

Sonhei que você já estava em casa
E no sobressalto voei para dentro do seu quarto
Me joguei na sua cama dizendo um
Oi princesinha e um parabéns bem cantado
Você estava cansada como eu já esperava
Mas como é enérgica ainda trocou algumas palavras
Perguntei o que eram aqueles pacotes embrulhados
E de quem ganhara
Você me disse que era de sua tia e de sua vó
Você abriu os pacotes
Em um, eram toalhas de louça
E em outro era um lençol rosa bebê.
Não sei se você ficou feliz,
Mas é bompracasa, eu disse.
Depois disso você dormiu
E eu saí dizendo: que saudade!


O que é prosaico pode dar cor.

O que é rotina (?)
O que é silêncio (?)
O que é hábito (?)


Hoje mesmo disse a Suzi: “como pode haver tanta beleza em uma dor?”

Fico feliz por estarmos numa sintonia afinca em que doemos juntas e saramos juntas e deliramos juntas.
Fico feliz por você, meu reino dos sorrisos.

A sapequecidade é algo que se cria com a intimidade (disso temos certeza).

Perdoa a minha miúdez. Escolha você a música...







Um rabisco bem embaixo: conversei com Suzi e disse que queria escrever sobre suas lindas qualidades, mas depois pensei: a Mi entenderia a minha secura. 

terça-feira, 5 de junho de 2012

Sempre entrelinhas






Um pouco curioso o modo como você ressurge. Aparece imbuído de timidez e com poucas palavras. 
É, confesso que a distância da virtualidade me assusta um pouco.
Constantemente lhe vejo à noite e é sempre quando mal posso ver a silhueta das pessoas e, soma-se a isso, quando mal posso sentir as minhas próprias mãos agarradas em alguma lata de cerveja.
E assim acontece:
Você - engarrafado do que é indecifrável, olhando desesperado pelos lados e assim transparecendo o medo de ser visto – e eu – tentando ouvir cada silêncio que você não diz -.

 às vezes chego a esfregar meus olhos para sentir meus pés no chão... Tento afastar os entorpecentes que agarram os meus sentidos para estar mais perto do que se diz por real.

"Ei, volte a si"
"Ei, volte a si, amanhã você vai querer se lembrar disso".

Desta maneira, tentamos calçar alguns meros assuntos que sabemos haver convergências e, seguindo suas inúmeras palavras já ditas, arvoro-me de possibilidades do que há por vir e que nunca é ‘vindo’. E é assim que espero alguma palavra, algum enunciado que me agrade aos ouvidos.
Só ganho o quase.  
.
.
.
Embora meus ombros já estejam relaxados, é como se num sacudir de chão eu voltasse a ver com olhos do que já nem é e, de tal modo, eu continuasse caçando os seus olhos só para brincar de haver encontro.


Talvez porque seja estranho não doer.

E ao mesmo tempo que há medo de voltar a ser Lídia, há medo de rasgar de vez o fiapo que sobra de um linguajar poético que pouco, muito pouco, nos cola os dedos.

[ a hipocrisia tem cheiro de passado] 

segunda-feira, 21 de maio de 2012

E pra quando está marcado o tempo do encontro?




Meus dias parecem curtos demais para eu parar e me ter como livre, como infuncional.
Meus dias parecem curtos demais para eu parar e sentir o que tem sido - de fato - a minha vida. 
Ando acontecendo em passos rápidos. Subo escadas pensando no próximo degrau. Dou poucas olhadelas pro lado. Passo correndo pelos meus amigos e digo: “estou atrasada, vamos marcar algo?”. E é um algo que nunca é marcado pela ausência de um tempo que antes, muito antes, me era dado. Quando paro, me deparo com o ócio cheio de culpa; ócio que quer ser, mas que nunca pode. E neste "tempo-livre" que nunca acontece, fico pensando no que poderia ler, no que poderia fazer, no futuro trabalho que ainda não aconteceu, mas que, por si, já acontece neste simples fato de pensar.
Pergunto-me: era isso que se dizia ser coisa de adulto? Porque me vejo pálida como  qualquer pessoa com mais de vinte anos que eu observada quando era miúda. Sinto-me com o olhar cansado de quem diz que a vida é isso. Vida como uma coisa empalidecida transmutada às vezes de um olhar louco nos fins de semana.


Mas nem esse fim de semana me serve. Há quanto tempo não saio? Há quanto tempo não como o ar com os olhos e não desfilo sentindo as minhas pálpebras vibrar?


Ontem abrimos um vinho e assistimos a um filme. Isso parece ser quase uma ideia de vida, não é?
Talvez mais tarde eu estoure pipocas...


Hoje, sair não dá....Os galos já cantam.


Queria ouvir uma música que não estivesse decorada em meu corpo, que fosse novidade aos meus sentidos.


(...)


Quando serei menos água






Não quero parecer egoísta, mas por enquanto fico feliz por perceber que não estou sozinha. E por pensar que a vida deve ser mais, bem mais...


É que lutamos.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

MÁ-sturbação é de deus




Querido diário:
Recorro a você porque esse é mais um dos escritos proibidos.

Ontem me ocorreu ligar a TV e, pode parecer estranho, mas fiquei diante dela um bom tempo, bem mais do que eu deveria ficar. Era já o silêncio da madrugada.
Permaneci lá, sentada, mudando de canal abruptamente sem que nada ousasse a manter minha atenção por pelo menos 30 segundos. Um troca-troca sem fim.
Nesse correr os olhos, meu dedo descolou do controle por um instante a mais e fiquei com receio. Fiquei com receio porque o que vi não me era habitual, nunca havia visto – senti-me com medo de estar olhando -, eu não poderia assistir. Era pecado.
Você já deve até saber o que eu vi, por isso eu não sei se eu preciso falar, parece-me que a verbalização causa-me ainda mais arrependimento. Sinto-me a pecadora em série. Uma vadia, uma mulher da vida como dizem nos domingos quando vou à igreja.

Sinto-me assim porque não desliguei o aparelho e, deste modo, - mais uma vez - eu fingi não-saber o que se passava para ter em minha mente a desculpa de assistir ainda mais, vidrar-me os olhos. 
Fingi desconhecer o que vi da mesma forma como quando eu tentei me enganar ao cometer o meu primeiro pecado. É que Deus não precisa saber que eu sei que é pecado. Como poderia me condenar por algo que nunca disse? Assim, coloco-me como desentendida para comê-los inocentemente inúmeras vezes.
Mas falando miudinho: eu não consigo entender porque não falam acerca desta coisa que eu faço às vezes. Eu nunca, se quer, jamais, ouvi falar sobre. Não sei nem como é o nome, mas - mesmo assim- sinto que não posso falar porque nunca li e nunca nem me compartilharam algo do tipo. Será que eu não vou pro céu? É estranho, porque é uma sensação que nunca tive antes. 

Enformiga-me dos pés à altura do umbigo, acaba logo e sinto que peco.

Então, rezo algumas orações fazendo-me pensar que devo estar com alguma doença e que vai passar logo.
Mas nunca passa...

Às vezes escorrego minhas mãos lá embaixo e finjo que elas caíram sozinhas. 


Fico feliz ao conversar com você por não haver julgamentos. Ao escrever, rezo baixinho pra Deus não ouvir e para afirmar ainda mais a minha ingenuidade. Talvez ele acredite.

Obs: a natureza é mesmo linda, não é?

Obs2: será que há algo de errado comigo?

Obs3: espero que nunca ninguém encontre esses escritos proibidos.

Obs4: espero que deus não saiba ler.

terça-feira, 1 de maio de 2012

O que causa salivação.


Hola chicas, ¿qué tal un baile?



Impregnada de passados,
eu danço com as palavras.
Me conspurco nelas e com elas.
Não titubeio: arrasto o pé.
Sem servidão nos embalamos.
É bem mais um tango que qualquer outra dança.
Uma troca.
Me embalo e as embalo.
Um pra lá, outro pra cá... 
Olha o 


   G
A
    N
C
    H
O


Depois saio de fininho
como quem cansa de show,
como quem cansa de baile e de manter-se em pé.
E desse modo eu deixo as palavras lá:
Dançadas
Embaladas
Afinadas como 'pé de valsa'
Como se assim sempre tiveram sido
Dançadas pela própria natureza: a veia própria das palavras. Inatas!


E lá ficam elas
Esperando quem as acompanhe na mesma dança que se dará, sem dúvida alguma, com ritmos diferentes
Suspiros indecentes
Cores transmutadas


Eis a traição do olhar numa dança bailada sem saber que um dia já fora bailada.


A partida recomeça pensando que é começo.


O tesão desse universo.


A assimilação dos sentidos
O encontro.


Simulacro




As mesmas músicas me choram tentando comover com suas notas de esvaziar vazios. Duas ou três lágrimas se desfazem dos meus olhos, mas ainda sinto o sufoco contraído com o nó que vai do peito à garganta.
Eu não tenho motivos pra chorar, eu pensei.
Mas quem disse que para chorar precisa de motivos? E como se não me contentasse com a própria resposta indagativa, penso na maior dor dos últimos tempos para não parecer vulgar ou piegas demais com lágrimas à toa.
Penso nas dores passadas: coloco-me de frente à inquisição; ao holocausto; a primeira e segunda guerras; vou pro Oriente Médio; me revolto junto aos trabalhadores com as reivindicações operárias em Chicago; me volto aos sem-terra, caminho pelo sertão, entro no meu quarto...
E como qualquer truque barato
E como qualquer receita de bolo
...Mísera bula de um mísero remédio
Meu rosto é de água. E sinto-me estúpida como quem chorou demais.
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.....................
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.....
...E então tudo para de repente!




Acabou a música. Acabou o som. Acabou a etapa.

Agora sem nó e sem dó, sinto-me seca.
Sem água, sem sal e sensibilidade. 


Tinta fresca no armário.


domingo, 1 de abril de 2012

A cor saudade é cor de flicts

texto escrito em: 23 de dezembro de 2011



Na verdade já passa da uma da manhã. Estou em Caravaggio. Cheguei aqui ontem e sem vontade.
Não me arrependo de ter vindo, eu não sabia que a nona estava doente no hospital. Fui saber quando fui até lá com o tio Moa que foi me buscar na rodoviária para eu ir pra casa depois.
Mas para uma breve explicação:
Não chamamos ela de vó, só de nona.  Sempre foi assim!
Os corredores do prédio azul se mexiam ávidos com os berros de infância:
 - Nona, nona, nona.

Ou os berros de nossas mães reprimiam qualquer forma de efusividade:
Não incomoda a nona,
A nona tá dormindo
Vai lá dá um abraço na nona. – E as crianças davam pulos em seu colo.

Era um jeito de considerar a pessoa mais idosa da família, eu pensava.

Enfim, no hospital eu nem pensava que a nona estivesse ruim. Até falei com ela. Eu logo disse: que linda nona, fazia tempo que não te via.
E ela respondeu com os olhos pingados de até logo: ôôo sim linda, deitada aqui nessa cama. E eu logo larguei: ah, mas logo a nona sai daqui né?!
E então me apoiei em outro assunto.
Eu pensei que a nona logo fosse melhorar e sairia dando risos assustados pelos corredores. Mas não, hoje pela manhã ela foi pra UTI e à noite veio a mãe com a notícia de que a médica havia dito que dessa noite ela não passava.
Eu nem acreditei.
A dor maior é de quem fica. Ainda mais pros filhos da nona Henriqueta que se encharcam de sal bem mais que a pipoca do fim de semana.
Eu penso é na família depois. A nona vivia querendo nos unir chamando pra festas e pras ceias. Não sei como que ela conseguia erguer tanta gente com aquela idade toda.
A família era mais pesada que os tijolos que o meu pai carrega.
Fazia-se de raiz e rizoma e dava voltas por tudo. A Nona era um tipo onipresente e fazia milagres conseguindo unir a turma toda.

Falo no verbo passado porque não consegui dormir essa noite. Mal tentei e já dei pulos na cama com o telefone tocando.
A Nona se foi, disse o tio Moa pra mãe. E vi lágrimas na Val!
Ainda não chorei. Mas sei que logo vai doer. É o estado da embriaguez que não deixa acreditar, já dizia os experientes em ver partidas.


A Nona adorava Natal! Esse ano não teremos abraços dela.
E também não teremos a cesta de ouro negro e sonho de valsa que ela preparava.
Nem nunca mais verei a sua mão nas costas na altura da cintura e o seu andar pesado e lento.
Três terços por dia! Vai rezar, que Deus ajuda, minha filha! Era assim que dizia quando alguém vinha com problemas.

A sua forma de dizer que estava com saudade era de engordar sorrisos.
O seu café aos domingos à tarde se fazia de sonho para tantos cafés de domingo à tarde que não eram os dela.
Mortadela todo o mundo comia, mas só na casa da nona que tinha cara de mortadela da casa da nona. Era tão mais gostosa, bem quase me arriscava a dizer que era uma mortadela diferente.
Eu dizia pra mãe: vou deixar pra tomar café na nona!
O café doce dela era tão doce quanto tantos cafés, mas só aquele tinha cheiro de nona e só aquele eu me permitia tomar.

Ontem eu fui lá dentro, dizia a Henriqueta.
Eu nunca conheceria o lá dentro se não fosse ela.
O lá dentro é tão mágico quanto qualquer ideia de céu.

Mas hoje não valeria dizer isso.
Hoje só temos lágrimas.
E vejo inúmeros olhos de Nona se lacrimejando por aí.
Olhar que hoje despedaça incontrolavelmente.
Bom, a ideia não era fazer doer mais.
A ideia era colocar a mostra os corações.
Mas dói revisitar. Dói porque essa saudade, sendo um dos sentimentos mais urgentes como já diria Clarice Lispector, não morre. Ela esculhamba por dentro, remói. Faz buracos feito bicho de goiaba. Revisitar te permite viver de outra forma. E essa forma é doída porque não é concreta.
Por fim, me recordei de um poema do grande poeta Manoel Barros.
Ele escreve:

O tempo só anda de ida.
A gente nasce cresce amadurece envelhece e morre.
Pra não morrer tem que amarrar o tempo no poste.
Eis a ciência da poesia:
Amarrar o tempo no poste.

Vamos amarrar esse tempo nas mais altas abstrações. E que mesmo que o alicerce da família tenha se partido, que nos façamos alicerces por nós mesmos. E em meio às lembranças.
Em nome da paz, em nome dos filhos e netos, em nome do amor (eterno). Amém!














segunda-feira, 26 de março de 2012

MEIO DIA


Porque a fome apareceu que me fizeram sentar ao lado de dois corpos para que eu comesse o que me era oferecido.
Eu já nem queria, estava refogada toda de sal e água quente.
Mas eu comi.
Sentei na cadeira que de tão dura não me fez afundar.  E por não ter conseguido afundar caí com a cabeça bem acima do prato afogado de comida.
E, acreditem ou não, era uma disputa interna entre quem chegaria primeiro ao prato: minha boca, meu nariz ou meus olhos.
Meus olhos nem estavam ligando praquilo tudo, queriam apenas ser fechados ao modo que não pudessem ver mais nada que lhes chateassem.
Minha boca só abria porque o garfo já estava estocado de comida e também porque só lhe havia a obrigação de comer, mais nada.
Meu nariz é que ficou bobo com a vitória de ter encontrado o gelado do prato em primeiro lugar. Saiu pingado com  o suor do feijão.
A felicidade foi mais efêmera do que eu pensava. Descontentou-se no segundo em que enfiei minha mão na frente do rosto.
Ué, ficaria eu com o nariz todo enlameado de caldo?
A comida estava boa, mas falei pra minha boca ficar quieta. Não precisaria agradecer naquele momento. Não queria conversar, queria sossego.
E sosseguei depois de me ter saciado, molhando meu rosto todo com o sol das 16 horas. 

sexta-feira, 2 de março de 2012

" O uivo "

Acho que o desespero começa a tomar conta quando você percebe que o limbo tornou-se um lugar comum; quando você olha ao lado e vê que não há vão que lhe sirva de apoio; quando você não consegue encontrar sentido algum em seus anseios.
Hoje me tomei por esse exato desespero. Olhei pro lado e tive a certeza de que não havia nada que eu pudesse me segurar, que eu pudesse explanar euforicamente: "ufa, era disso que eu estava falando". Ao contrário, senti o vazio flutuando bem abaixo dos meus pés como se fosse uma fumaça fina namorando o ar. Senti-me com o coração saltando pela boca em forma de impactos constantes com a minha mente.

Coração X Mente Coração X MenteCoração X MenteCoração X MenteCoração X MenteCoração X Mente Coração X MenteCoração X MenteCoração X MenteCoração X MenteCoração X MenteCoração X Mente

Ele fazia o 'tum-tum-tum' de uma forma mais ousada e triste. Era uma dança eufórica. E eu começava a soluçar. E os soluços aumentavam de acordo com os meus pensamentos. Eu pensava:                                      

"eu poderia ter sonhado menor"

(eu poderia ter sonhado menor eu poderia ter sonhado menor eu poderia ter sonhado menor) 

E sonhando menor eu poderia ter escolhido fazer um curso numa faculdade medíocre, conhecido um cara legal e medíocre que eventualmente se tornaria o meu marido (porque eu aprenderia a amá-lo), depois teríamos um filho ou dois e viveríamos felizes numa vida medíocre trocando de carro todo o ano e indo aos bailes dançantes quatro vezes em trezentos e sessenta e cinco dias ( porque, ao menos, eu não deixaria de gostar de dançar). Mas não, contrariamente a isso e graças ao bom deus que eu não acredito, eu escolhi sonhar de um tamanho maior.

E os meus pensamentos seguiam:

"eu sou pequena demais pra mudar mundos"

 e um lançar lágrimas no colchão.

" Como posso eu ter razão se eu não dou duro dez horas por dia ?" Como posso dizer que não é bom ouvir  comentaristas falando sobre os gols do campeonatos estaduais?" "Jamais poderei eu convencer alguém de que a noite não é das novelas globais".

e o lençol já era molhado demais pra poucos minutos de desespero.

"Minha família é o próprio povo e eu não consigo dialogar". 

e ainda mais lágrimas.

(...) E de repente  penso que todos estão bem. Penso que todos estão bem em suas dores. E estão confortáveis assistindo os seus programas medíocres. Por que o que há de ruim nisso? Alieno-me em tantas outras coisas que não deixam de se igualar às telenovelas...

E me frusta não conseguir convencer. Frusta-me perceber que os ninhos não têm ouvidos e muito menos boca.
Sou desajeitada no falar.


Mais soluços.
Muito mais soluços.
Soluços frequentes.


Respiro, preciso me acalmar. Vou até a sala: "Mulheres de Areia".

Soluços.

"Tudo se torna real ao tirar o pé da bolha".

Depois fico bem na minha dor. Alieno-me nas palavras de conforto: alguns poemas bonitos, algumas frases curtas, uma música calma....

Algo que traduza diferentemente as mesmas dores.


E saio cantando:


" Pero falta poco para que los demos vuelta!
Lo mire en tus ojos, no se puede parar
Pero falta poco para que los demos vuelta!
Lo mire en tus ojos, esa noche, no se puede parar!!"








quinta-feira, 1 de março de 2012

AMIÚDE



Como posso sentir o gozo da vida dentro desse existir?

É muito amendoim pra pouca boca e muita bagunça pra pouco corpo. Meus dias se repetem numa odiosa espera pelo nada. Transforma-se num instrumento de ‘esperacitude’, inquietude, solitude.  Um ude assimilado nas mais insensatas raízes de palavras. Sou o próprio sufixo.

“Um purgatório indecente dos que sentem sem dizer”, tenho repetido isso diversas vezes nesses últimos dias.

“Um purgatório indecente dos que sentem sem dizer

Um purgatório indecente dos que sentem sem dizer...Dos que calam.
Dos que calam, mas que não calam porque querem, calam porque não há som que os contemple.
E nada que vem de mim me satisfaz: nenhum assunto, nenhuma palavra, nenhum gênero... Aliás, nada vem de mim. Sou o nada vagando com clareza.
Embora isso, a preparação para o nascer do grito não cessa: as cordas vocais continuam a trabalhar. 
É um constante exercício! Faço gargarejo, refresco o corpo, saio pra passear. Mas como se isso fosse suficiente. 

"Jamé", como diria, abrasileiradamente, o bom brasileiro (claro).

(...) O único som que emana é o do próprio teclado aglutinado a um som mais distante que é do recolher da louça do jantar. Nenhum som mais. Desisti da música, ela não consegue mais inspirar. Pausei Egberto Gismonti, Godspeed You Black Emperor, Eddie Vedder, Arnaldo Batista, Sigur Rós. Nenhum desses ecos me fez ecoar.

Quem sabe quando eu não tiver sobre que dor escrever ou mesmo quando eu não desejar sentir esse incompreensível alívio que existe entre o intervalo do querer escrever e ter escrito.

Não é à toa que no senso comum dizem que quando a gente não procura é aí gente acha, não é? Ou é ao contrário? Já nem sei.

Bom, que se dane!

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

EU nunca sei.

É mais uma tentativa:

a noite chega, quer dizer, a madrugada chega e se repete como as outras madrugadas que se repetiram como outras tais madrugadas que fraquejaram silenciosamente remoídas em minha mais tristealma. A insistência, que me faz doer mais do que se eu não insistisse por esse momento que não chega nunca, é o que me faz estar aqui. Já nem sei o que escrevo, e jamais lerei o que escrevi por medo de haver mais uma noite fraquejada. 

Porque a razão é escrever. É dedilhar, dedilhar, dedilhar sem olhar o que foi dedilhado.
Hoje a questão de honra fala mais alto do que qualquer métrica, coesão ou coerência. 
Já tomei três xícaras de café em apenas trinta minutos e suo feito uma mulher diante de uma fornalha.

Preciso transpirar palavras, mas meu silêncio não grita com os dedos. 

Amanhã talvez... 






domingo, 26 de fevereiro de 2012

O ano que morreu de corpo

O ano que morreu de corpo está revirado de sementes.




O broto está nascendo agora.

Eis vazio

Dentro de mim há uma vida desmanchada em sangue.

E nem sorrisos, e nem andares, e nem Clarice. E nem dizer que todos somos iguais, que não se joga lixo no chão e que somos apenas marionetes tentando arrancar a corda que nos embala. E nem teorias eu aplicarei porque preciso estudar e não tenho tempo pra outra alma que não seja a minha.

" Quando acabará isso tudo, estas ruas onde arrasto a minha miséria e estes degraus onde encolho o meu frio e sinto as mãos da noite por entre os meus farrapos?" B. Soares